sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Máquina do Tempo

Fez o seu backup de hoje? Guardou os bom-dias, os beijos, os abraços, a cena da moto ultrapassando pela direita, a freada brusca, a conversa sobre o final de semana, o tédio da manhã que não passava, o vento frio da noite que chegou de repente, a semana, o mês, cada ano vivido?
Não amigo, nem mesmo terabytes de memória seriam suficientes para apreender o cheiro do jardim na casa da sua avó numa tarde de sol. O tempo é agora e apenas agora. Até estas palavras não serão as mesmas amanhã. A vida não pode ser guardada. Você a sente momento por momento, mas os segundos passam, como tudo que não pode ser resumido a zero e um. 
Matrix foi apenas um filme, a Máquina do Tempo jaz esquecida entre os escritos de H. G. Wells e backups são uma invenção da modernidade que nunca funcionam quando a gente precisa. 
Tenha uma feliz e insubstituível sexta-feira. 

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ensolarada



Dia de SOL
em caixa alta
Um céu azul
de horizonte cinza
paradoxeando a paisagem
Da janela, só os pássaros
e o vento
Na janela, 
pedaços de pensamento
Vejo o mundo aqui de dentro
Entro em estado de graça
Escrever é o que me resta
enquanto a vida se adianta
Tão rápida
e eu, tão lenta
tentando aprisionar o momento
Música impalpável 
Eterno desencontro
Amanhã, 
conto um novo começo

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Como Escolher seu Candidato Assistindo à Propaganda Eleitoral Gratuita

Começou o Carnaval, digo, a Propaganda Eleitoral Gratuita. Gratuita? Segundo o site Contas Abertas (http://contasabertas.uol.com.br), só em 2010 cerca de 851 milhões deixarão de ser recolhidos pela Receita por causa das propagandas partidárias. 
“É como se cada um dos mais de 190 milhões de brasileiros, indiretamente, pagasse cerca de R$ 4,45 para receber informações sobre os candidatos e os partidos políticos nas rádios e TVs. O cálculo é baseado no princípio de que a Receita Federal “compra”o horário das emissoras, permitindo que deduzam do imposto de renda 80% do que receberiam caso vendessem o período para a publicidade comercial.”
Não sei você, mas eu preferiria usar o dinheiro para comprar um cachorro-quente e uma laranjinha. Ou uns comprimidos para dor de cabeça. Mas, como não tenho escolha e já que estou ajudando a pagar a festa mesmo, melhor fazer o investimento render o máximo. 
Pensando nisso e fazendo um esforço hercúleo para prestar atenção na propaganda eleitoral anteontem (ontem a luz acabou aqui bem na hora da propaganda), pensei em um  método para ajudar na escolha dos candidatos nesta eleição. É especialmente útil na seleção de deputados e senadores:
  1. Anote em um papel os nomes dos candidatos para Presidente, Governador, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual. (Dica: você encontra a lista de todos os candidatos no site do TSE - www.tse.gov.br - na aba Eleições, escolha a opção Eleições 2010, no menu lateral esquerdo, clique em Divulgação de Candidatos).
  2. Pegue uma caneta.
  3. Daqui pra frente é simples: cada candidato que atender a qualquer dos critérios abaixo você risca da lista. Se ao final da propaganda sobrar algum, pronto, ali estará o “seu” candidato. “E se não sobrar nenhum?” Elementar, caro Watson: sempre tenha um plano B escondido na manga. Divida a lista abaixo por ordem de gravidade (ia deixar na ordem do que eu considero mais grave, mas acho melhor cada um fazer sua própria análise dos argumentos) e numere cada critério considerando 1 = característica que um candidato não deve ter nunca (absolutamente inelegível) e 4 = característica até aceitável sob circunstâncias extremas (já que não tem nada melhor, vai tu mesmo). Então o que você precisa fazer é, ao lado de cada nome riscado, escrever o número correspondente ao critério de eliminação. Assim, se ao final não sobrar um ditocujo, você pode votar naquele que cometeu o pecado menos mortal. Capicce? 
E os critérios são:
Prometer cuidar da saúde, segurança e educação. Ué, mas isso não é óbvio? Tão óbvio que todo político promete na hora da campanha - calma que o buraco é mais embaixo. Explico: não existe proposta mais genérica que essa.Todo candidato preocupado apenas com o próprio bolso promete cuidar da saúde, segurança e educação. Não que isso não seja importante: é primordial. O problema é que tem muito (muito, mas muito mesmo) candidato fazendo essa promessa, sem elaborar um projeto sério para trabalhar essas questões em seu mandato. Lembre-se: proposta genérica é igual a proposta nenhuma, e quem promete resolver tudo normalmente não resolve nada. 
Apelar para o gênero, profissão anterior, classe social, idade ou religião. Não vote numa mulher só porque ela é mulher, em médico só porque é médico, em empresário só porque é empresário, em professor só porque é professor, em assalariado só porque é assalariado, em jovem só porque é jovem, em idoso só porque é idoso, em evangélico só porque é evangélico. Absolutamente nada disso tem a ver com competência para assumir cargos políticos. Quem pede voto usando unicamente esse tipo de argumento não merece o salário que vai sair do dinheiro dos seus impostos (é, do SEU BOLSO).
Ser irmão, filho, neto ou esposa de político de carreira. Tudo bem, esse é questionável. Mas pessoalmente acho que famílias no poder só legislam em causa própria. Então, não voto em sobrenomes famosos no meio político. Ponto.
Ex-pseudo-famosos. Mulheres fruta, humoristas de gosto questionável, ídolos da música brega e variações adoram candidatar-se a cargos que eles nem sabem para que servem, só para garantir o ganha-pão e um lugarzinho na mídia. Se o cara não era bom nem na profissão original, por que seria melhor cuidando do nosso país?  
Percebe a vantagem do método? Você praticamente só precisa assistir a dois programas: um com os candidatos a presidente e senador, e outro com os candidatos a governador, deputado federal e estadual (não sei se a divisão está exata, mas é algo próximo). Depois fica livre para dar uma olhadinha na TV a cabo, assistir um bom filme, ler um livro, passear ou fazer qualquer outra coisa muito melhor que ver político na televisão. E são apenas quatro critérios, dá para decorar em menos de cinco minutos. 
Plano C: sim, pensei na possibilidade improvável de sobrar mais candidatos por cargo do que a legislação nos permite eleger após o uso da lista. Neste caso, a solução é acrescentar mais critérios eliminatórios à lista ou anotar os nomes dos candidatos em papeizinhos, jogar pro alto e pegar um. Vamos precisar da sorte de qualquer forma. 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Debates e Embates

Já diz a sabedoria popular que política, religião e futebol não se discute. Vivo ignorando essa regra com os dois primeiros, e o terceiro só não entra na pauta porque dele não entendo nada mesmo. Debater é deixar que as portas da mente se abram para novas idéias, ter a coragem de arriscar perder velhos hábitos, testar crenças arraigadas. Fé não se decide em um debate, disse um comentário anônimo, e é verdade se você pensar que o conceito do termo abrange crença e confiança, duas palavras que não admitem questionamentos. Política, quem sabe. E futebol eu é que não sei.

Mas vou continuar falando de religião quando me der na telha e, se você for corajoso o suficiente, vai ouvir e pensar sobre o que eu disser. Talvez você simplesmente conclua que estou errada, talvez meus argumentos sejam fracos, talvez você me faça mudar de idéia, ou quem sabe eu mude a idéia sua. Ou então mudaremos todos, fruto não de argumentos meus e seus, mas de pedaços deles que façam brotar em nossas mentes um conceito novo. Quem sabe então, com debate ao invés de embate, encontremos juntos o Paraíso. Ou um homenzinho verde em seu disco voador.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Deus, um delírio?


“A religião convenceu mesmo as pessoas de que existe um homem invisível - que mora no céu - que observa tudo o que você faz, a cada minuto de cada dia. E o homem invisível tem uma lista especial com dez coisas que ele não quer que você faça. E, se você fizer alguma dessas dez coisas, ele tem um lugar especial, cheio de fogo e fumaça, e de tortura e angústia, para onde vai mandá-lo, para que você sofra e queime e sufoque e grite e chore para todo o sempre, até o fim dos tempos... Mas Ele ama você!”
(George Carlin - retirado do livro “Deus, um Delírio”, citação que inicia o capítulo 8.) 
Um dos primeiros livros que ganhei na vida, antes mesmo de aprender a ler (meus pais tinham o bom hábito da leitura e trataram logo de me familiarizar com a experiência), chamava-se “O Velho Testamento para Crianças”. De capa dura, letras grandes e desenhos em traço, passei algum tempo folheando-o antes de ter o conhecimento necessário para desvendá-lo por completo. Naquele tempo* a gente só aprendia a ler de verdade na primeira série. Até lá, o máximo que tínhamos era o a, e, i, o, u e um repeteco eterno de nossos nomes.  
Para a alegria da minha mãe, que se livrou da tarefa de escrever os nomes dos  Menudos  nos corações de papel que eu recortava (todo mundo tem um podre – o meu ao menos vem acompanhado da desculpa de ser pequena demais para ter senso crítico), aprendi a ler com relativa facilidade e pude, lá pelos idos de meus sete anos, iniciar sozinha a leitura do  Velho Testamento (para crianças, notem bem).  
Era um livro assustador. Quase tão perverso quanto a história que a professora contou para minha turma antes da “hora do soninho” no jardim de infância. Tínhamos quatro anos e observávamos aterrorizados a maquete de coração ser substituída por sua versão em preto, enquanto as pobres criancinhas pecadoras eram jogadas no inferno porque haviam mentido. Segundo a professora, nossas mentiras e outros pecados aparentemente sem importância faziam com que o coração fosse ficando negro aos poucos. E, depois de algum tempo, quando ele estivesse completamente negro, iríamos para o inferno. Acolhedor, não? Sem falar no teor racista implícito. Lembro até hoje do pesadelo que tive após essa aula “esclarecedora”. Minha mãe e seu bom senso me tiraram daquela escola depois disso, mas eles não foram suficientes para entender, no início da década de 80, o quão maléficas pareceriam as histórias do Velho Testamento para a imaginação infantil.
Nunca entendi como Deus pôde pedir a Abraão para sacrificar seu próprio filho – mesmo que no final tenha mudado de ideia. E Jó, o que dizer do pobre Jó? Sem falar na incoerência da história de Adão e Eva - que não tem muito a ver com terror, mas com lógica: se só haviam eles de humanos no mundo, com quem seus filhos casaram depois que saíram do paraíso? Mesmo que você seja um fiel seguidor da Bíblia, duvido que nunca tenha feito a pergunta. 

Tudo isso para dizer que finalmente terminei a leitura de “Deus, um delírio”. Já expliquei porque resolvi iniciar essa leitura num post aqui e não vou me repetir, mas, se você tem alguma dúvida, basta ler a citação que reproduzi no primeiro parágrafo para ter um vislumbre dos meus porquês.
Devo confessar que estou há umas três semanas relutando em publicar este post. Falar de Deus é muita responsabilidade, questioná-lo, então, um perigo. Para a alma, se Ele existir e for vingativo como diz o Velho Testamento, e para o corpo, se algum crente radical decidir tomar as dores. Como meu bom senso não é lá essas coisas, decidi seguir em frente. 
Para começar, devo dizer que o livro é bem convincente. Por exemplo, quando faz a intrigante pergunta “quem criou o Criador?”. A teoria do design inteligente diz que criaturas tão complexas como seres humanos, macacos ou zebras não poderiam ser o simples fruto da evolução. Só um Ser Superior poderia projetar todo esse emaranhado de vida tão interdependente quanto diverso. Mas, se só um Ser Superior poderia criar todas essas complexidades, é inevitável pensar que algo ainda mais superior precisou um dia existir e criar o Ser Superior. Afinal, se somos frutos de um design inteligente, como surgiu o Grande Projetista? 
Percebe o quão interminável é o raciocínio? “Eis o mistério da fé.”
Não desejo converter ninguém, apenas colocar as mentes para trabalhar. Continuando, Dawkins aborda muito bem o tema da religião e quão prejudicial ela (ou elas) tem sido para a humanidade. Se não concorda, perca um pouco de tempo para investigar o assunto (mas com imparcialidade). A guerra eterna entre judeus e muçulmanos no Oriente Médio e mesmo o 11 de setembro, para mim, já são exemplos suficientes. 
Há algum tempo abri  mão da minha (religião), embora volta e meia seja levada a missas e cultos, os quais frequento mais por acreditar na energia de tanta gente reunida que nas palavras dos sacerdotes.  Alguém pode argumentar que essa  crença em “energia” também não faz o menor sentido. A resposta é que não consigo ser 100% racional.
Outra pergunta que não quer calar é por que Cristo precisou morrer na cruz para expiar nossos pecados? Quer dizer, se Deus é amor (usando agora a lógica em voga nas religiões modernas), Ele não poderia simplesmente nos perdoar? De onde vem toda essa necessidade de dor e sofrimento? Adoro a filosofia por trás de Jesus Cristo, adoro quando ele reparte o pão, cura os doentes e põe mulheres e crianças em nível de igualdade com os homens, mas nem eu nem o autor do polêmico livro comentado aqui entendemos o motivo da crucificação. Se você tem bons argumentos a favor dela, não hesite em deixar um comentário. 
Ainda não virei uma atéia convicta e talvez nunca o faça. Parte da explicação está na impossibilidade de ser 100% racional. A outra tiro de um trecho do “Deus, um delírio”: “Vivemos perto do centro de um museu de magnitudes cavernosas, enxergando o mundo com órgãos dos sentidos e sistemas nervosos equipados para perceber e entender apenas uma pequena variação mediana de tamanhos, que se movam numa variação mediana de velocidades. (...) Fora dessa gama, até nossa imaginação é deficiente (...)”. Não entenda mal: Dawkins usa essas palavras para justificar a necessidade da ciência em nossas vidas, na medida em que nos fornece continuamente instrumentos para que aumentemos nossa área de visão.
Mas, com toda sua fé na ciência, ele esquece o quão incompreensível alguns fatos podem ser para nós humanos – pelo simples fato de sermos humanos. Talvez nossa lógica seja apenas limitada demais para entender a existência de uma Divindade.
Então, caro leitor, com olhos atentos e coração carente de algo que a evolução pode explicar mas a mente não quer entender, reservo-me o luxo de permanecer em cima do muro, a favor da ciência e do conhecimento, mas também de um Deus que dê à minha e à sua vida um significado maior. Mas sem religiões, por favor. 

*”Naquele tempo”, “no meu tempo”... usar  expressões como estas me faz sentir  o cheiro da naftalina se aproximando. Mas, como o que não tem remédio, remediado está, sigamos em frente.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A arte de fazer bolinhos de chuva



Não há nada mais aconchegante do que comer bolinhos de chuva acompanhados de uma boa xícara de café em dia de inverno. Se estiver chovendo então, melhor ainda. Minha mãe costumava fazer essa receita para o café da tarde quando éramos crianças, com direito a replays esporádicos nas tardes de sábado agora que entramos na amadurescência. Café da Tarde, para quem não sabe ou já esqueceu, é aquela refeição entre o almoço e o jantar, servida entre as 15 e 16 horas, que some subitamente da sua vida depois que você entra para o almejado Mercado de Trabalho. De qualquer forma, desconfio que ela já esteja na lista dos hábitos em extinção até para quem não chegou lá ainda. Uma pena.  
Ontem, final de domingo, frente fria chegando, me vi na cozinha preparando os tais bolinhos. A receita não tem segredo: um ovo, um pouco de açúcar, trigo, leite, mais um pouco de trigo, fermento - tudo batido até o ponto de massa de bolo (crua, claro). Depois é esquentar o óleo (o suficiente para os bolinhos boiarem), pegar uma colher média e outra pequena e ir despejando pequenas porções na panela. Tudo na base da intuição. E eles ficam redondos feito grandes gotas, macios e saborosos, com gosto de lar doce lar. 
Fazer bolinhos de chuva redondos e macios ao invés de monstrinhos de chuva* é como escrever ou interpretar - tem que sair da alma para ser perfeito. O pulo do gato não está na técnica, embora ela seja necessária, mas na quantidade de amor que você coloca na tarefa. Quando há envolvimento genuíno tudo flui com leveza e fica inesquecível, preenchendo aqueles lugares secretos da mente feitos especialmente para guardar as lembranças boas. 
*”monstrinhos de chuva” é o termo que usamos aqui em casa para nomear aqueles bolinhos que ficam desfigurados quando fritos, mas não necessariamente menos saborosos.