quarta-feira, 29 de abril de 2009

Sustentabilidade

Mais um texto que vale a pena transcrever. Retirado do Portal EcoDebate*, publicado em 31 de janeiro de 2009.

Sustentabilidade: na crise, é hora de ser mais responsável. Entrevista com Rachel Biderman e Roberta Simonetti

A crise econômica que se alastra pelo planeta gera um paradoxo aparentemente impossível de se solucionar. Enquanto governos buscam incentivar o consumo, de modo a tentar evitar uma recessão, é consenso que o consumismo desmedido está na origem dessa crise. E que um dos passos para se alcançar o tão desejado desenvolvimento sustentável é reavaliar o modelo econômico, consumindo com menos exagero. Diante deste cenário, fica a dúvida: a crise pode trazer uma oportunidade para que empresas e governos comecem a trilhar o caminho da sustentabilidade ou ela pode pôr esse novo modelo em risco?

Para responder essas questões conversamos com duas especialistas do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas: Rachel Biderman, coordenadora-adjunta, e Roberta Simonetti, do Programa de Sustentabilidade Empresarial. Leia a seguir a íntegra da entrevista, cujos principais trechos foram publicados em carderno especial sobre sustentabilidade de ‘O Estado de S. Paulo’. Entrevista realizada por Giovana Girardi, do O Estado de S. Paulo, 29/01/2009.

# Como a recessão e falta de crédito generalizadas devem afetar os programas de sustentabilidade de empresas e as políticas governamentais nesse sentido? A sustentabilidade vai sobreviver à crise?

Rachel - Esta crise é uma crise também da sustentabilidade. Em todos os sentidos. É uma crise da ética empresarial, do meio ambiente, dos direitos humanos e sociais, da governança corporativa, enfim, de tudo que está sob o guarda-chuva da sustentabilidade. Se a sustentabilidade fosse enraizada nas organizações, a crise não estaria acontecendo. E o movimento em prol da sustentabilidade empresarial e governamental tem que se fortalecer ainda mais a partir de agora. Não é momento de preocupação sobre eventual arrefecimento do movimento. É uma chance de trazer esse debate à tona, de chamar à responsabilidade os tomadores de decisão, sejam eles de governo ou do setor empresarial. E jogar a luz sobre os bons exemplos, para que se tornem os guias desta nova fase da história da humanidade. Os atuais tomadores de decisão têm em suas mãos a chave para um futuro saudável. Aqueles que abraçarem a causa socioambiental serão os líderes do futuro.

Roberta - Na edição anual da Economist “The world in 2009″, o editor Daniel Franklin afirma que este será o ano de teste da sustentabilidade, de ver quais empresas e quais governos estão levando a sério esta questão. Empresas que de fato incorporaram a sustentabilidade a sua estratégia verão oportunidades. Por outro lado, empresas que ainda compreendem a sustentabilidade apenas como instrumento de marketing ou como apoio a ações sociais terão que cortar despesas e isso pode afetar o poder de ‘venda’ do que acreditam ser sua imagem de sustentabilidade, e que boa parte do público ainda acredita. O que será também uma oportunidade de “separar o joio do trigo”. A ideia de que sustentabilidade necessariamente implica em aumento de custos não é verdadeira. Existem muitas iniciativas que podem gerar redução de custos e aumento de receitas.

Aumentos significativos de custos podem ocorrer quando há desenvolvimento de novas tecnologias, investimentos em P&D. Mas ainda que recursos para isso sejam mais escassos com a crise, é preciso lembrar que sustentabilidade implica em longo prazo e que, considerando este horizonte, o custo de “não fazer” pode ser maior do que o custo de fazer. Além do mais existem muitos aspectos da sustentabilidade, cuja implementação não tem custos significativos. Por outro lado, é preciso que os bancos de desenvolvimento (como o BNDES) comecem a direcionar seus recursos de outra maneira e não desperdiçar valiosos recursos como têm feito.

# Mas na prática diária, é isso mesmo que tem se observado ou, no susto, o comportamento padrão deve continuar em torno do velho, e doente, modelo econômico?

Rachel - Não existe mais espaço para o modelo econômico em decadência. E a transição tem que ser genuína, completa. Não é suficiente ´pintar uma fachada´, ´arrumar a sala´, se a sujeira ainda ficar escondida. Esta crise é estrutural, e sua superação não depende de um reforço nas vigas, mas da troca das colunas que sustentam a casa. Há crises simultâneas, correlacionadas, profundamente entrelaçadas, como a crise financeira, a energética, as mudanças climáticas, pobreza, segurança, a geopolítica do petróleo e as guerras daí decorrentes. A resolução de tudo isso depende da tomada de consciência e imediata ação de cidadãos, empresários, governantes, enfim, de todos os atores sociais. A eleição de Obama nos EUA parece ser uma resposta da cidadania cansada. É preciso ver se essa vontade de mudança está generalizada no planeta. Há muito trabalho a ser feito. É hora de se colocar a boa energia a todo vapor para empreendermos os necessários movimentos para consecução do tão almejado desenvolvimento sustentável, para que deixe de ser elucubração de acadêmicos e militantes, e passe a nortear nosso futuro.

Roberta - Permanecer no conforto do conhecido é de fato mais fácil. Ainda mais quando a mudança é profunda e mexe com crenças e sistemas cristalizados, ainda que falidos. Foram necessários mais de cem anos para que o modelo heliocêntrico fosse aceito em substituição ao geocêntrico, e sabemos qual era o destino dos ‘hereges’: abdique da sua compreensão ou vá para a fogueira. Dizer que o comportamento deve ser profundamente modificado, que precisamos nascer menos drasticamente, fazer uma “moratória populacional”, consumir menos (é claro que isso vale para os 20% que consomem 80% de tudo que é produzido), objetivar lucros menores e se satisfazer com outros resultados positivos dos negócios e crescer menos (ou até decrescer) soa como heresia para a grande maioria (felizmente não temos mais o hábito de sair por aí “fritando” pessoas). Aparentemente, há um número crescente de pessoas (físicas e jurídicas) percebendo a necessidade de rever nossos valores, de agir de maneira ética e responsável, considerando tudo e todos ao nosso redor.

# Entretanto, alguns setores que adotam práticas sustentáveis vêm mostrando sinais de retração, como o de madeira certificada, cujas vendas caíram. Como ainda está em fase de consolidação, esse tipo de produto é mesmo mais caro, e em época de crise, o que parece contar é o preço.

Rachel - O consumo de certos produtos está mais internalizado nos hábitos corriqueiros do que outros. Alguns mercados estão mais estruturados que outros. É preciso não misturar os canais. Preço é um fator relevante, mas não é o único. Na Europa o consumo de produtos sustentáveis já se tornou mais comum, a produção de muitos bens já se tornou competitiva. No Brasil também temos exemplos de produtos sustentáveis já competitivos em termos de preços. Não podemos esquecer, no entanto, que o preço do não-sustentável esconde uma série de externalidades, que são pagas pela sociedade. Ou seja, uma madeira não certificada, de origem ilegal, certamente gera um custo para a sociedade que é o desmatamento ilegal de algum remanescente de vegetação, emissão de gases de efeito estufa, queimadas que geram internações de crianças e idosos em hospitais, e alguém esta pagando esse custo - dentre as atuais e futuras gerações.

A viúva que paga esta conta é o governo em geral, através dos sistemas de saúde, de gestão ambiental, dentre outros, com os impostos pagos por nós. Ou então, a conta é paga pelos próprios afetados por doenças ou danos ambientais, com seus próprios bolsos. Mas, na maioria das vezes, é o dano ou a doença que prevalecem, pois não há quem pague pelo estrago. Então que preço é esse da madeira não certificada (ou não manejada legalmente e sustentavelmente)? Certamente é o preço que prevalece no mercado hoje, de uma madeira ilegal, gerada de forma irresponsável e desrespeitosa das atuais e futuras gerações. Precisamos tomar consciência de que toda vez que compramos um bem que não foi gerado com respeito ao meio ambiente e à cidadania, estamos matando nossos filhos e netos, de forma cruel e lenta. Algo está equivocado nessa economia que ignora os custos que a sociedade tem que arcar,e transfere o ônus da conta para os mais pobres, ou toma de empréstimo de quem sequer está no planeta . Ou seja, damos um tiro em nossos próprios pés, se não optamos pelo bem sustentável. Os economistas ambientais já vêm alertando há mais de uma década que é preciso alterar a forma como fazemos nossa contabilidade e precificamos os bens. Algumas variáveis do cálculo estão ficando de fora, às custas do planeta, e das atuais e futuras gerações que aqui residem.

Roberta - Nosso desafio é mostrar que isso não é necessariamente verdade. Conhecemos o caso de uma empresa que conseguiu madeira certificada, atravessando o país de norte a sul, e com um preço inferior ao da madeira não certificada. É real. E se o único tipo de madeira disponível fosse a madeira certificada? O desafio seria encontrar o menor preço dentre as certificadas. Isso é possível. Não faz muito tempo em que as geladeiras eram fabricadas usando CFC e, possivelmente, sua produção era mais barata do que usar outro gás, mesmo porque era preciso pesquisar, desenvolver novas tecnologias. Hoje não há mais CFC e não foi porque os consumidores acharam que a outra era mais barata, mas porque houve uma mobilização, um acordo, uma legislação, enfim uma vontade de mudar que deu certo. O mesmo poderia ocorrer com a madeira. Hoje diferentes fabricantes de geladeiras competem para oferecer o melhor preço e ganhar clientes, mas nenhuma utiliza CFC.

# E qual poderia ser a alternativa para os produtos sustentáveis não afundarem enquanto eles ainda se esforçam para expandirem?

Rachel - Por exemplo a promoção de uma revolução no sistema de cálculo dos impostos e distribuição de receitas do governo. E da forma como se faz a contabilidade nacional, dentre outros cálculos econômicos relevantes. O mercado também deve refletir essa tomada de consciência, incorporando as variáveis da sustentabilidade no cálculo de produtos e serviços, sem transferir integralmente esse custo para os consumidores. Cada um (produtor e consumidor) deve fazer uma parte desse investimento, compartilhar o ônus da readequação, para poder colher os frutos dessa repaginação da sociedade. Se déssemos o devido peso e valor aos recursos naturais, direitos sociais e humanos, certamente os produtos e serviços seriam precificados de outra maneira.

O consumidor tem muito poder nesse redirecionamento, ao optar por produtos e produtores mais sustentáveis, mas sozinho não consegue fazer milagre. E mais, é injusto permitir que apenas os mais ricos possam adquirir comida mais saudável e carros menos poluentes. Deve ser direito de todos consumir o que gera menos danos à sociedade. Mais importante ainda é garantir acesso ao consumo dos bens essenciais e uma vida digna a todos. Se não houver um casamento entre políticas públicas e empresariais, entre instrumentos econômicos e jurídicos, entre mercado e consumidores, em prol da sustentabilidade, a superação desses dilemas não acontecerá.

# Um mundo mais sustentável passa necessariamente por sociedades que consumam menos produtos, energia e recursos naturais e ao mesmo tempo reciclem e reutilizem mais. Só que, em época de recessão, o que mais se ouve de governantes é um incentivo, na verdade um pedido, justamente pelo aumento do consumo. Como é possível lidar com esse paradoxo?

Rachel - Essa crise é do modelo da atual sociedade de consumo, que está contaminada pelo modelo norte-americano de desenvolvimento e consumo, que ultrapassou o ´tipping point´(ponto de retorno), ou seja, tornou irreversíveis certos danos. Não é possível todos os seres humanos manterem o mesmo padrão de consumo dos norte-americanos - e, quiçá, dos futuros chineses. E, como nós, seres humanos, operamos pelo sentido da emulação, acabamos almejando aquilo que nosso vizinho possui, para nos sentirmos realizados. Não há recursos suficientes para que todos sigam o modelo ocidental de consumo, propagado pela indústria cultural, despejado nas telinhas azuis dos lares como receita e garantia de felicidade eterna. Já ultrapassamos a capacidade de regeneração do planeta. Estamos na rota do irreversível, conforme já alertam muitos centros de ciência. Não pode haver alerta mais eloquente do que os quatro relatórios de cientistas de todo o mundo - inclusive do Brasil -, que compõem o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), publicados desde 1990 até 2007, afirmando que a mudança climática é real, causada pelas atividades humanas, e se tornará irreversível em poucos anos.

O presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, tem avisado, por onde anda no globo, que os próximos quatro anos serão os mais definitivos da história de toda a humanidade, pois está em nossas mãos, cidadãos da atualidade, a chave do futuro. Unem-se a ele nesse alerta Al Gore, Nicholas Stern, dentre outros formadores de opinião. Portanto parece ser evidente que é necessária uma radical e imediata mudança de postura, de quem investe, de quem produz, de quem consome, de quem elege, que, afinal, somos nós. Não necessariamente teríamos que abrir mão de conquistas importantes. Basta agir com inteligência. Talvez tenhamos que distribuir melhor e abrir mão de luxos e excessos. E pedir isso não é demais, em nome de nossos filhos e netos, certo? Se isso não acontecer, a Terra voltará a viver sem nós…O sistema climático tem sido nosso melhor despertador. Está tocando um alarme já faz tempo, e estamos com preguiça de acordar… Esse sono demorado pode nos fazer perder o bonde da história. Portanto, dentre as inúmeras tarefas que temos pela frente, uma delas é distinguir o consumo de bens essenciais dos supérfluos, e trabalhar um modelo de economia que se sustente, não no consumo exacerbado de bens inúteis e poluentes, mas no modelo de prestação de serviços que agreguem ao capital intelectual humano e melhorem o nível de vida das pessoas. Certamente a existência física dos seres humanos pode prescindir de alguns excessos que produzimos. Precisamos mais inteligência, cultura, arte, criatividade.

Comida há para todos no planeta, basta que se organize um sistema inteligente de distribuição. E mais, que tal consumirmos mais tempo em família, mais livros, tempo nos parques e jardins, passar parte de nosso tempo fazendo trabalho voluntário, ao invés de gastarmos dinheiro que temos (e muitas vezes não temos), em consumo de bens etéreos e passageiros, que não nos trazem satisfação? A sociedade hiperconsumista da atualidade certamente não é uma sociedade feliz. A felicidade não está à venda costurada como adereço de um ultimo modelo da moda, numa embalagem superfashion, ou num carro hiperturbinado. Ela está nas coisas simples. No fundo, precisamos de uma nova doutrina, um choque de ´generosidade´, e um resgate de valores que ficaram para trás. Acho que é essa a mensagem que a crise nos traz, e o planeta também.

Roberta - Isso não é um paradoxo, é uma contradição, uma inconsistência e fruto do analfabetismo ecológico, que precisa ser erradicado. Nossos governantes (e isso não é ‘privilégio’ deles) não sabem o significado de sustentabilidade e suas implicações, não perceberam sequer a insustentabilidade do nosso modelo, não sabem o que é entropia, não se deram conta que os recursos são realmente finitos, que a capacidade de suporte da vida foi superada e que estamos em rota de colisão com o nosso fim. Ainda há a crença no modelo econômico vigente onde “com trabalho e capital suficientes podemos fazer crescer ilimitadamente o bolo, e dividi-lo quando estiver suficientemente grande” (e após, é claro, ter satisfeito a ‘gulodice’ dos consumistas, que comem mais do que necessitam). Herman Daly, para explicar o contraponto de Georgescu e a inconsistência do modelo econômico clássico, deu o exemplo do bolo: este modelo implica na visão de que para se fazer um bolo maior bastaria aumentar a velocidade da batedeira (tecnologia), como se o tamanho do bolo resultante independesse da quantidade de ovos, farinha, leite, etc. (recursos naturais).

Qualquer criança percebe o absurdo desta visão, mas os economistas não, e foram ainda mais longe, premiando seus autores. Aproveitando este exemplo, é como se estivéssemos usando um fermento “mais moderno” que faz o bolo parecer maior, mas esse aumento é virtual, pois a quantidade de nutrientes não se altera. Isso nos remete a algumas questões no epicentro da crise financeira: foram criados produtos e mercados sofisticados, que leigos não entendem (e muitos financistas tampouco) baseados em ilusões, isto é, não existe riqueza subjacente. O benefício desta crise é mostras estas inconsistências e, portanto, há esperança de mudança.

# O modelo econômico atual terá de implodir para que essa mudança ocorra?

Rachel - Enquanto assistimos à crise financeira por nossas telinhas, está acontecendo, nos bastidores, uma tremenda corrida tecnológica para ver quem será o detentor da nova fórmula energética que impulsionará o motor da economia globalizada daqui para frente. Estamos vivendo os estertores da economia do petróleo. A crise climática e energética trouxeram ao primeiro plano a necessidade de mudança da base energética que faz o planeta e as economias se movimentarem. Os dias do petróleo estão contados e quem dominar a próxima tecnologia - ou as próximas tecnologias -, terá o poder econômico e, consequentemente, político. Essa tem sido a história da humanidade. As guerras mais recentes confirmam isso. O crescimento da demanda dos norte-americanos por petróleo gerou a invasão do Iraque.

O Brasil é tanto mais forte nesse cenário, quanto mais autônomo for em geração de energia, como é hoje. O domínio da tecnologia nuclear, que pode ser usada tanto para geração energética, como para guerra, é nevrálgico nessa geopolítica. As negociações do regime internacional do clima (Convenção da ONU e Protocolo de Kyoto) têm nós que aguardam o desenrolar dessa corrida tecnológica. Portanto, o novo modelo produtivo e econômico dependerá de quanto será investido na superação do petróleo e em quanto tempo isso acontecerá. O novo modelo de produção sustentável dependerá em grande parte da disponibilidade de energia. Espera-se que a transição se dê na direção das novas fontes renováveis (sol, vento, marés, geotérmica, etc) e não no garimpo do que nos resta de fontes fósseis.

Roberta - A refilmagem de “O dia em que a Terra parou” (1951) nos aponta a ideia de que “o ser humano muda apenas quando está à beira do precipício”. É provável. E nós já estamos lá. A questão é saber quantos de nós já percebemos a aproximação do precipício. A mudança radical é uma revolução, uma mudança de paradigma, que é mais do que um simples modelo. Segundo Thomas Kuhn (”A estrutura das Revoluções Científicas”) um paradigma “é aquilo que os membros de uma comunidade partilham”, ou um modelo consensuado, onde também são compartilhados um conjunto de valores, compreensões e visões. Um importante paradigma que precisa ser mudado é o do crescimento. Não podemos continuar crescendo, seja economicamente, seja fisicamente. Nada no universo cresce sem parar, sem que haja uma contrapartida. O universo se expande, mas sua densidade diminui. Tumores crescem, mas se não forem contidos provocam a morte. Ultrapassamos os limites da Terra para atender os padrões de consumo da sociedade moderna, ainda que de sua minoria. Já dizia Gandhi, “a Terra satisfaz a necessidade de todos, menos a ganância dos consumistas”. Mas é provável que nós vamos escorregar no precipício, nos arranhar e nos machucar e, talvez, sobrevivamos.

# Se a crise servir mesmo como uma oportunidade, pode ser que essa transição se acelere?

Roberta - Acredito que sim. Mas veja, a crise econômica vai passar em alguns anos (esperando que o modelo evolua), mas a crise ambiental, da sustentabilidade da vida no planeta será um desafio para algumas gerações. A crise econômica está relacionada à ganância de poucos, à visão míope de um modelo cujos valores se baseiam no interesse de poucos e de curto prazo, não incluindo interesses comuns. Mas a crise econômica é apenas uma parte da crise. A crise é mais profunda é, sobretudo, uma crise ética, de valores, de significado. Afinal, ‘viver a que será que se destina?’, para alguns poucos para a acumulação sem sentido, sem razão, vazia. O modelo econômico-financeiro atual deve mudar, não pode continuar como está. O problema é se quisermos usar a crise como uma oportunidade para continuar fazendo do mesmo, isto é, buscando oportunidades de aumentar os lucros e crescer. Se não houver a profunda, ampla e necessária mudança verdadeira.

O discurso do presidente Barack Obama dá sinais de uma mudança americana neste sentido. Mas o que pode ocorrer se ele falhar nessa promessa ou se a economia dos Estados Unidos não responder adequadamente em direção à sustentabilidade?

Rachel - Os olhos de todo o planeta estão em Obama e sua equipe. Certamente seu sucesso poderá conduzir à superação de parte dos problemas que hoje afligem a humanidade. Mas o mundo hoje tem muitos epicentros socioeconômicos e culturais, e é fundamental a ação de outras forças mobilizadoras ao redor do globo. Não é possível, nem desejável, depositar tanta esperança e responsabilidade sobre os ombros de um único homem e seus assessores. Essa é uma tarefa monumental que deve ser compartilhada por todos que têm responsabilidade e enxergam a fresta de luz que é oferecida para gerar a energia que deve mover nosso futuro. É um momento sem volta, que será registrado na história com maior peso do que foram todas as guerras mundiais ou crises de recessão ou depressão econômica do passado. Vivemos uma conjunção de crises, que só vão ser solucionadas com muita inteligência, boa vontade e generosidade. A história nos dirá.

Roberta - Seu discurso, realmente, traz muita esperança. A mudança não falhará porque já aconteceu, está acontecendo. A meu ver, a falha está na crença de que o novo presidente vai resolver todos os problemas do mundo, incluindo a sustentabilidade da vida. A mudança já começou e ele tem o importante papel de ser um catalisador de parte destas mudanças. Uma pessoa sensível, inteligente e culta; comprometida com uma história de luta e um propósito de vida significativo. Em minha opinião, é preciso nos distanciar dos aspectos econômico-financeiros da crise para podermos ter outra perspectiva e perceber toda a sua dimensão; redimensionar seu peso que ganha uma gigante proporção dada a sua presença constante e exclusiva nos noticiários.

*Entrevista publicada no O Estado de S. Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009, 17:09

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