quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Flertando com a tesoura

Lá longe, na mais inexorável infância, você não tem escolha quanto ao que fazer com ele: o cabelo é ralo ou nem existe. Depois, com os primeiros tufos, vêm as odiadas presilhas e aqueles lacinhos com elástico que prendem a cabeça inteira e certamente foram criados por um padre invejoso na época da Inquisição. Na primeira vez, sem experiência, você arranca do cabelo sem dó nem piedade, abrindo um berro de arrependimento ao sentir a dor da empreitada. Quem poderia imaginar que pior do que colocar aquela engenhoca seria livrar-se dela? Depois vai ficando esperta: espera a mãe sair de cena e vai tateando devagarinho, tirando aos poucos para ninguém notar - nem as terminações nervosas da sua cabeça. Ufa!
Passado um tempo, já com cinco ou seis anos, você simplesmente não tem tempo para ele. Pentear? Só quando a mãe consegue pegar de jeito ou depois de uma bronca daquelas. Elástico, lacinho? Nas festas de aniversário e Natal, e olhe lá. Os presentes têm que valer o preço dos minutos subtraídos à brincadeira.
Aos doze, treze anos, lavá-lo passa a ser uma atividade séria, e você até gosta do contato com o pente e a escova. É por essa época também que o secador começa a fazer parte da rotina, mas ainda não com aquela determinação toda da adolescência. 
Ah, a adolescência! De repente você descobre aquela imensidão de cores, cortes, arcos, elásticos, presilhas, cremes, sprays, escovas de chocolate e o que mais estiver em voga no momento - e quase surta tentando encontrar a combinação que defina sua verdadeira personalidade. Como se cabelo pudesse definir alguma coisa. 
Com vinte e cinco você já acredita ser uma mulher madura e reduz um pouco o ritmo. Pintura e corte a cada três meses, no máximo uma escova progressiva ou um permanente (para as meninas de tempos mais remotos). 
Aos trinta você até gostaria de parar de pintar, “dar um tempo” para ele se recuperar do ritmo devastador infligido por aquela camaleoa que tomou conta do seu corpo aos dezesseis. Mas debaixo da tinta há mais cabelos brancos do que você poderia arrancar se não quiser ficar semi-careca, e o jeito é abraçar a química até que a morte as separe. 
Aos cinquenta... bem, aos cinquenta ainda não sei, mas vislumbro uma adorável tesoura lá longe, linda e afiada, pronta para cortá-los bem curtinhos, meus cabelos que anseiam voltar ao berço e dependerem apenas de água, xampu e uma penteada depois de acordar. 

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